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Por muito tempo os céticos buscam apoio no famoso desafio do mágico James Randi como uma prova de que o paranormal não existe. Esse desafio dará 1 milhão de dólares a quem demonstrar um fenômeno paranormal em situações controladas. Como ninguém até hoje passou no desafio, então o paranormal não existe. Correto?

Errado. Em primeiro lugar, não é todo tipo de alegação paranormal que o Randi testa, e isso é admitido na cláusula 16 do seu Desafio:

Only claims that can be verified by evidence under proper observing conditions will be accepted. Also, JREF will NOT accept claims of the existence of deities or demons/angels, the validity of exorcism, religious claims, cloudbusting, causing the Sun to rise or the stars to move, etc. JREF will also NOT test claims that are likely to cause injury of any sort, such as those involving the withholding of air, food or water, or the use of illicit materials, drugs, or dangerous devices. [1]

Tradução: Apenas as alegações que possam ser verificadas por evidências em boas condições de observação serão aceitas. Além disso, a JREF não irá aceitar alegações da existência de deuses ou demônios, anjos, a validade do exorcismo, alegações religiosas, destruição de nuvens, fazer o Sol nascer ou o movimento das estrelas, etc. A JREF também não testará as alegações que são suscetíveis de causar prejuízo de qualquer espécie, como as que envolvem a abstenção de ar, alimentos, ou água, ou a utilização de materiais ilícitos, drogas ou dispositivos perigosos.

Será que os casos de crianças pequenas que alegam vidas passadas estão dentro do grupo de alegações religiosas? Tais crianças, via de regra, não são consideradas psíquicas. Mas diversos casos de crianças que alegam vidas passadas necessitam de uma explicação paranormal. Esses casos já foram publicados em revistas científicas do mainstream, como o Journal of Nervous and Mental Disease. Em um artigo de 1988, os autores dizem explicitamente: “...as crianças possuíam informações sobre as pessoas falecidas que só poderiam ter sido obtidas por meios paranormais”.[2]

Assim, ainda que ninguém passe no Desafio de Randi, isso não pode ser usado para negar a existência de fenômenos paranormais.

Outro fator a ser levado em conta é que o nível de prova exigido pela ciência para considerar que um determinado resultado é pró-paranormal costuma ser bem menor do que é o do desafio do Randi, porque se dispõe de mais tempo e recursos para realizar testes que assegurem significância estatística, enquanto que no teste de Randi são feitos 2 testes, um preliminar e o decisivo, em um tempo muito mais curto e mais limitado de recursos. Por isso o nível de teste de Randi exige que o psíquico tenha um resultado espetacular, coisa que em testes científicos nunca precisou atingir esse grau. Em outras palavras, o paranormal pode atingir uma marca acima do acaso no teste do Randi, aceitável cientificamente, mas não atingir a marca proposta pelo teste em si.

A Ciência aceita como estatisticamente significante um resultado com p< 0.05. No teste de Randi o paranormal precisa atingir, digamos, um resultado com p< 0.001. Ora, o paranormal poderia atingir um resultado entre esses dois critérios (digamos, p<0.02), o que seria algo cientificamente interessante e que demandaria maiores estudos, e ainda assim o mágico dizer que o psíquico falhou no teste. De fato, um caso parecido com a situação descrita acima ocorreu com a adolescente Natasha Demkina, estudada por cientistas amigos de Randi, que atingiu um resultado estatisticamente significante, mas não obteve o índice requerido para o teste.[3]

Um outro exemplo: os testes ganzfeld, voltados para a verificação da existência de telepatia, requerem centenas de sessões para atingir significância estatística, sendo que é recomendável só se realizar uma sessão por dia, e essa única sessão pode durar horas, havendo períodos de massagem para deixar o participante o mais relaxado possível, numa condição considerada ‘condutiva de psi’. Há décadas obtém-se um índice de acerto de 32% contra os 25% que seriam o esperado pelo acaso. [4] Tais testes – que até sua conclusão podem levar meses ou anos – são feitos com pessoas comuns, que não alegam poderes paranormais. Deve-se dizer que mesmo céticos replicaram as evidências de telepatia oriundas dos testes ganzfeld. [5] Assim, o teste de Randi não pode ser usado para negar a existência de capacidades psi fracas na população mas demonstráveis em laboratório.

E os psíquicos que alegam ter poderes paranormais muito acima dos que podem ser encontrados na população comum? Por que tais pessoas não se candidatam ao desafio de Randi? Para responder a isso, vejamos uma das cláusulas do Desafio, a de nº 8:

When entering into this challenge, as far as this may be done by established legal statutes, the applicant surrenders any and all rights to legal action against Mr. Randi, and/or against any persons peripherally involved, and/or against the James Randi Educational Foundation. This applies to injury, and/or accident, and/or any other damage of a physical and/or emotional nature, and/or financial and/or professional loss, and/or damage of any kind. However, this rule in no way affects the awarding of the prize, once it is properly won in accord with the protocol.

Tradução: Ao entrar neste desafio, até onde isso possa ser feito por estatutos legais estabelecidos, o requerente desiste de todo e qualquer direito a uma ação legal contra o Sr. Randi, e/ou contra as pessoas próximas envolvidas, e/ou contra a James Randi Educational Foundation. Isto se aplica a lesão, e/ou acidente, e/ou quaisquer outros danos de ordem de natureza física e/ou emocional, perdas financeiras e/ou profissionais e/ou danos de qualquer espécie. No entanto, esta regra não afeta em nada a concessão do prêmio, uma vez que seja devidamente ganho de acordo com o protocolo.

Essa cláusula no Brasil seria considerada completamente INCONSTITUCIONAL, pois viola o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou princípio da universalidade da jurisdição: “a lei não excluirá de apreciação do poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” (artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988.) O candidato é a parte mais fraca, e assim precisa ser protegido contra possíveis abusos por parte de Randi (que é dono de uma fundação, tem apoio da mídia etc.), tendo o direito de recorrer ao Judiciário caso se sinta prejudicado de alguma forma. Não bastasse isso, o Desafio de Randi permite um completo desrespeito à imagem da pessoa! Vejamos a cláusula 4:

Applicant agrees that all data (photographic, recorded, written, etc.) gathered as a result of the setup, the protocol, and the actual testing, may be used freely by the JREF.

Tradução: O requerente concorda que todos os dados (fotográficos, gravados, escritos, etc) reunidos como resultado do set-up, do protocolo, e do teste real, podem ser utilizados livremente pela JREF.

São ambas cláusulas exorbitantes, e em se tratando de uma instituição privada, como é a JREF, isso não pode acontecer. Cláusulas exorbitantes só são permitidas quando se está negociando com a Administração Pública. Há um completo desequilíbrio entre a Fundação James Randi e o candidato, e isso por si só faria qualquer um pensar várias vezes antes de se decidir concorrer ao prêmio, mesmo com um milhão de dólares em jogo.

Conclusão:

O objetivo desse artigo não é ‘demonizar’ Randi, mas apenas impor limites à alegação de que seu Desafio mostraria que o paranormal não existe. Randi possui um lado benéfico à sociedade desmascarando charlatões, mas seu desafio extrapola em muito seu alcance quando usado pelos céticos para querer abarcar quase toda forma de fenômenos paranormais.


Referências:


[1] http://www.randi.org/site/index.php/1m-challenge/challenge-application.html
 [2] Three New Cases of the Reincarnation Type in Sri Lanka with Written Records Made before Verification (1988) Journal of Nervous and Mental Disease 176:741. Ian Stevenson & Godwin Samararatne. Acessível em:


http://journals.lww.com/jonmd/Citation/1988/12000/Three_New_Cases_of_the_Reincarnation_Type_in_Sri.8.aspx  

 
[3] http://en.wikipedia.org/wiki/Natasha_Demkina  


[4] Meta-Analysis of Free-Response Studies 1997-2008: Assessing the Noise Reduction Model in Parapsychology.Lance Storm, Patrizio E. Tressoldi, & Lorenzo Di Risio. Psychological Bulletin, 2010, 136, 4, 471–485. Acessível em:


http://www.psy.unipd.it/~tressold/cmssimple/uploads/includes/MetaFreeResp010.pdf  


[5] Delgado-Romero E. A. & Howard G. S. Finding and Correcting Flawed Research Literatures. The Humanistic Psicologists 2005; 33(4): 293-303.


Nota: Artigo publicado com a autorização do autor.




Comment (1)

Muito obrigado, Vitor!

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